sexta-feira, 25 de abril de 2008

Sindicato do Inferno

Roteiro: Alessandro Lima Arte: Emerson H. Oliveira.

Um comentário:

Marcos disse...

Textoque encontrei na Net de Jornalista da VEJA.
É extenso mas vale a pena.
Texto publicado no site da Veja, coisa rara heim!

Deus lhes abençoem.





AOS TRÊS MINISTROS DO SUPREMO QUE AINDA NÃO VOTARAM: células-tronco
embrionárias, a demonização do catolicismo e a ética reduzida ao
puro pragmatismo

Ontem foi um bom dia para eu proclamar uma das minhas máximas: o
verdadeiro negro do mundo é o macho, branco, pobre, heterossexual e...
católico! Por que ?verdadeiro negro?? Porque ainda é a forma mais
fácil de ser oprimido ? pelo menos até eu emplacar o meu movimento
em defesa dos ?indiodescendentes? brasileiros e expropriarmos a
?aldeiola? ? é a versão indígena do quilombola ? de Ipanema.
O católico está prestes a se tornar uma ?minoria sociológica? no
Brasil ? embora seja uma esmagadora maioria numérica. Mas se nota,
sobretudo em boa parte da imprensa, o óbvio: o que vem da Igreja
Católica não serve e, necessariamente, oprime as liberdades. Um
católico está no último degrau da cadeia alimentar ideológica ?
ou no primeiro, a depender de por onde se comece a olhá-la. O
católico é sempre o primeiro indivíduo a virar ração dos
predadores da cultura ocidental.

Por que digo isso? O ministro Carlos Alberto Direito foi o primeiro a
fazer restrições à pesquisa com células-tronco embrionárias, ao
menos na forma como ela está expressa na Lei de Biossegurança.
Escrevo este texto antes de os jornais entrarem na Internet. Não vou
mudá-lo depois. Mas intuo que repetirão o que as TVs não cansaram de
martelar ao longo do dia: ?Carlos Alberto Direito, ligado à Igreja
Católica...? Ele não é ?ligado? a coisa nenhuma. É católico,
assim como outros, ministros ou não, são protestantes, budistas,
agnósticos, ateus. A lembrança, claramente, buscava, ainda que de
modo contido, deslegitimar o seu juízo, fazendo-o caudatário de uma
?organização?, tratada quase como entidade secreta. E, no
entanto, se estava falando daquela que é um dos pilares ? não
porque quero, mas porque é ? da civilização ocidental.

Três outros ministros também fizeram restrições às pesquisas ?
Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Eros Grau. No caso deles, como
nunca tiveram a ?ousadia? ou o ?topete? de se declarar crentes
? nessa coisa tão exótica e estranha chamada Igreja Católica!!!
?, não se procuraram razões escusas ou sub-reptícias para o voto.
A determinação explícita, óbvia, escancarada, de demonizar a Igreja
Católica ainda é maior do que a vontade de aprovar as pesquisas com
células-tronco embrionárias. E, no entanto, eu lhes digo: ser
católico não é ilegal, não é imoral e, creio, também não
engorda: a gula é pecado.

A inveja que tenho dos sábios
Tenho algumas invejas nada agressivas, coisas leves mesmo: de quem sabe
dirigir automóveis; de quem entende o jogo de beisebol; de quem anda
em montanha russa... Sei que nunca farei nada disso. Só uma inveja
realmente me corrói: a dos que estão certos de que a vida humana não
começa na concepção. Invejo também a facilidade com que conseguem
renunciar à lógica sem que se sintam flagrados numa falha
intelectual. Explico-me.

Plante uma semente de laranja no útero de uma mulher, e, creio, o
máximo que vai nascer ali é uma infecção. ?Aquilo? ? por ora,
chamemos assim o embrião ? que lá é depositado deve guardar as
informações da espécie, ou não daria origem a um semelhante.
?Aquilo?, para que frutifique (não emprego o verbo por acaso),
precisa estar vivo. E ISSO NOS LEMBRA QUE AQUILO ADMITE PELO MENOS DOIS
ESTADOS: VIVO E MORTO. Ninguém me acuse de estar dando
?personalidade? àquilo, de estar fazendo vãs prosopopéias: até
um pé de alface pode estar vivo ou morto, não é, senhores ministros?
Acho que posso dar àquilo a nobreza que se dispensa a um pé de alface,
não? Mas sigamos.

Se aquilo guarda todas as informações dos semelhantes de onde deriva,
se aquilo se chama ?embrião?, e se ele é um embrião humano, é
preciso admitir que se está reivindicando a licença de, bem..., como
dizer?, matar embriões humanos. Acho que não é, assim, tão chocante
empregar para ?aquilo? um verbo que cabe até às ervas daninhas:
nós matamos ervas daninhas, afinal. Matamos até baratas. Logo,
embriões também podem ser mortos ? ainda que, à feição do
ministro Ayres Brito, possamos preferir chamar aquilo de... sei lá,
?aquilo?...

Essa tal vida humana
Acredito que a vida começa na concepção ? e direi, adiante, por que
isso, à diferença do que parece, nos protegeu ao longo da história e
nos protege ?, e se trata de uma posição bastante clara, de fácil
compreensão. Sim, também é essa a opinião da Igreja Católica. Os
cientistas e leigos favoráveis à pesquisa com embriões, obviamente,
não podem concordar comigo ou com a Igreja ? ou estariam admitindo a
eliminação de vidas humanas para salvar... vidas humanas. Daí,
então, o debate entre eles: ?mas quando começa mesmo?? Bem, seja
lá qual for o marco inicial que definam, indago: e que nome dar
?àquilo? que vive ? sim, é evidente que está vivo, ou não
serve pra nada ? entre a concepção e o que admitem ser o início da
vida? Pré-vida? Semivida? Mais-ou-menos-vida? Quase-vida?

Se não têm uma resposta para a questão ?quando começa a vida??,
preferem, igualmente, não dar nome nenhum ?àquilo?. Aquilo é
aquilo. E toda a argumentação se desloca, então, do que é uma
questão ética para o universo do puro pragmatismo: ?os embriões
serão descartados mesmo; seu destino é o lixo?; ?os embriões
são considerados inviáveis depois de três anos? (há vários
relatos demonstrando que não é assim): ?os embriões não estão
sendo produzidos para pesquisa; são a sobra do que é obtido para
reprodução assistida?; ?os casais não querem saber mais dos
embriões?.

Observem, então, que o que requer uma definição ética se resolve
apenas com respostas circunstanciais. Os quatro votos até agora
favoráveis às pesquisas e contrários à ação de
inconstitucionalidade fugiram da questão de princípio; dedicaram-se
apenas às circunstâncias ? à diferença dos quatro ministros que
lhes fazem restrições: a estes, a questão de princípio interessou.
Todo esse pragmatismo nos faz assim tanto bem?

De volta ao catolicismo
Volto à questão do catolicismo do ministro Direito, lembrado como uma
?acusação?. Aquela periodização da história que opõe a Igreja
Católica das trevas medievais às luzes que vieram antes (o helenismo)
e que teriam vindo depois (o Iluminismo propriamente) é só uma tolice
juvenil, que os professores de história insistem ainda hoje em inculcar
nos estudantes. Boa parte das reservas à Igreja vem da suposição de
que a religião tornou a vida da humanidade mais difícil; de que vida
boa mesmo tinham os gregos e seu ?antropocentrismo?, por exemplo
? não é assim?

Na edição nº 1988 de VEJA, de 22 de dezembro de 2006, escrevi um
longo texto intitulado ?Somos todos cristãos?. A íntegra está
aqui (http://veja.abril.com.br/271206/p_058.html). Reproduzo um trecho:

"O sociólogo americano Rodney Stark sé muito prátiustenta que uma das
raízes da expansão cristã é a caridade ? elevada por Paulo à
condição de primeira virtude. E a outra são as mulheres. Em The Rise
of Christianity: a Sociologist Reconsiders History, Stark, professor de
sociologia e religião comparada da Universidade de Washington, lembra
que, por volta do ano 200, havia em Roma 131 homens para cada 100
mulheres e 140 para cada 100 na Itália, Ásia Menor e África. O
infanticídio de meninas ? porque meninas ? e de meninos com
deficiências era "moralmente aceitável e praticado em todas as
classes". Cristo e o cristianismo santificaram o corpo, fizeram-no
bendito, porque morada da alma, cuja imortalidade já havia sido
declarada pelos gregos. Cristo inventou o ser humano intransitivo, que
não depende de nenhuma condição ou qualidade para integrar a
irmandade universal. As mulheres, por razões atcas, gostaram.

No casamento cristão, que é indissolúvel, as obrigações do marido,
observa Stark, não são menores do que as das mulheres. A unidade da
família é garantida com a proibição do divórcio, do incesto, da
infidelidade conjugal, da poligamia e do aborto, a principal causa,
então, da morte de mulheres em idade fértil. A pauta do feminismo
radical se volta hoje contra as interdições cristãs que ajudaram a
formar a família, a propagar a fé e a proteger as mulheres da morte e
da sujeição.?

É impressionante que a média do pensamento que se quer crítico, que
defende com tanta energia que a religião fique longe dos debates sobre
a ciência, pense na Igreja Católica apenas como fonte de restrições
e proibições. A instituição cometeu alguns desatinos ao longo da
história (será que a ciência nunca cometeu nenhum?), mas o fato
inegável é que a inviolabilidade da vida está entre as causas
originais de seu fortalecimento, de sua expansão e de seu enraizamento
nas camadas populares ? especialmente, sim, as mais pobres. Querer
transformar esse legado em nada mais do que obscurantismo é, vejam
só, uma forma de obscurantismo. E uma burrice também, decorrente da
falta de informação.

Concluo lembrando que outros embates virão pela frente ? como o
aborto de anencéfalos e, fatalmente, o aborto ele-mesmo. Considera-se
a legalização dessas práticas um ato de liberdade, uma
?modernização? da legislação. Temo, sim, pela violação de um
princípio. Chegará o tempo em que definiremos, muito pragmaticamente,
quais vidas merecem ser vividas ? já que nos damos o direito de
definir o que é ou não vida, ainda que se resista a dar um nome
àquela ?não-vida? que, se viva não fosse, de nada serviria?

Aos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes,
uma modestíssima advertência: cuidado com o que há de trevas no
pensamento dos monopolistas das luzes.

Reinaldo Azevedo é colunista da Revista Veja.